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Sobre o SCRI.PT

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E outras considerações recentes.

abr 15, 2025
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Antes que família, amigos e colegas se apressem com telefonemas, links, print screens ou notas de rodapé da recente notícia de investimento no cinema e audiovisual português, decorrente da disponibilização em consulta pública do programa SCRI.PT pelo cessante Governo, inauguro este espaço para organizar e transmitir alguns primeiros pensamentos a esse respeito.

Em pouco menos de uma semana, confrontei-me com três notícias sobre cinema que dialogam entre si mas aparentam nada ter que ver umas com as outras. Primeiro foi a pomposa notícia da entrada de CR7 no mundo do cinema através da sua joint venture com Matthew Vaughn UR.MARV, seguindo-se no mesmo dia o anúncio da abertura de uma linha de financiamento público em Espanha dirigida aos guionistas e agora a proposta de reformulação do modelo de incentivo e financiamento do cinema e audiovisual nacional através do acima referido SCRI.PT.

Começo por Matthew Vaughn, cineasta interessante que tem construído um percurso diferenciado no contexto da realização de filmes de ação como Layer Cake, Kick-Ass ou a saga Kingsman e sobretudo na produção dessas mesmas obras e de outras obras icónicas do cinema britânico das últimas décadas como Lock, Stock and Two Smoking Barrels ou Snatch (Guy Ritchie deve-lhe uma carreira). Não é apenas uma movimentação reveladora do gosto particular de Cristiano Ronaldo pelo cinema de ação, é acima de tudo um investimento na visão de um produtor cinematográfico talentoso e bem sucedido em termos comerciais. Espera-se que esta nova parceria consiga gerar obras cativantes sem descurar a valia cinematográfica que vem caracterizando o percurso de Vaughn, como também se espera que Portugal venha a ser palco de algumas dessas produções. É sabida a admiração que CR7 nutre pelo seu país de origem e a forma como Portugal tem acolhido o desenvolvimento da sua atividade de empresário nas várias vertentes, pelo que o recurso ao cash rebate e cash refund do Fundo de Apoio ao Turismo e Cinema (FATC) se faz apetecível para retornos sobre investimentos em rodagens e produções decorridas no território português (olá Madeira).

E com isso chegamos ao SCRI.PT. Aparentemente, uma proposta governamental (de um ministério da cultura que não fez uma única intervenção pública em matéria de cinema enquanto esteve em funções) que se propõe reformular o sistema de apoios e incentivos ao cinema e audiovisual em Portugal com uma dotação total de 250 milhões de Euros. Agora, a cerca de um mês das legislativas. A principal medida que propõe é juntar os atuais mecanismos de incentivos do cash refund e cash rebate num só fundo para fazer "o melhor aproveitamento dos recursos disponíveis" e gerar "mais massa crítica". Apresenta também a criação de uma linha de crédito de apoio à produção, de 50 ME, gerida pelo Banco Português de Fomento, "em articulação" com o Turismo de Portugal e com o Instituto do Cinema e do Audiovisual (que falta saber em que medidas será diferente ou mais apelativa que as atuais linhas FEI cofinanciadas pela UE), bem como a integração desta área de atividade num programa dedicado à Organização de Eventos de Interesse Turístico. Não faz qualquer referência ao sistema de apoios públicos vigentes no ICA, sustentado pelos Concursos de Apoio às diferentes segmentos da atividade (criação, produção, distribuição, exibição, formação de públicos), pelo que o programa agora proposto parece concentrar-se em matéria de incentivos à promoção de Portugal enquanto destino de referência para a produção cinematográfica e audiovisual.

No modelo vigente, considerando a dotação dos atuais fundos do cash rebate e cash refund (34M EUR anuais), que se traduzem em incentivos fiscais sobre valores de despesa realizada em território nacional, e tendo como referência o orçamento do ICA em 2024 (37M EUR), podemos concluir que o Estado atribui um montante anual de 71M EUR ao cinema e audiovisual nacional por afetação direta. Via FATC (cash refund/rebate) o pagamento faz-se por reembolso com taxa máxima de 30% sobre as despesas efetuadas, pelo que podemos concluir que o Estado investe 34M EUR por cada 113M EUR de receitas e investimento feito em Portugal. Já no orçamento do ICA, cerca de 3M EUR provêm do Orçamento de Estado e os restantes 34M EUR provêm de receitas próprias (taxas sobre operadoras e publicidade) regulamentadas pela Lei do Cinema.

Nesta nova proposta em consulta pública, com algumas pontas soltas e várias matérias por esclarecer, permanece essencialmente a dúvida sobre a orientação política do Governo cessante. A intenção passa por reformular o sistema de incentivo à promoção de Portugal enquanto destino de referência para a produção cinematográfica e audiovisual, de uma forma complementar e sem descurar o modelo vigente na lei e no financiamento que se refere ao ICA como o organismo público regulador dos apoios a atribuir às diferentes entidades e atividades do setor cinematográfico e audiovisual? Ou, por outro lado, pretende assumir-se como sistema único de incentivo para “o apoio ao desenvolvimento e à internacionalização de produções audiovisuais e cinematográficas em Portugal, contribuindo para a promoção da cultura, para o fomento da indústria nacional do audiovisual e do cinema e para o reforço do posicionamento do país enquanto destino turístico”? O que nos diz este programa sobre as orientações estratégicas para o setor do cinema e audiovisual nacional de um Governo cessante, além de referir que “considera que a área da produção cinematográfica e audiovisual deve ser encarada como estratégica, numa abordagem multidimensional para o país: na sua dimensão cultural, na sua dimensão económica e turística e, ainda, na sua dimensão mediática”?

Pois bem, cumpre nesta fase recordar a existência de um Plano Estratégico 2024-2028 elaborado pelo ICA após a realização de dois estudos independentes e homologado pelo anterior Ministro da Cultura (Pedro Adão e Silva), que em momento algum é referido no programa em consulta pública e em nenhum momento da presente legislatura parece ter sido acolhido, debatido e/ou considerado pelas instâncias políticas como se fazia prever. Que pensamento tem a cessante Ministra da Cultura sobre esse mesmo Plano Estratégico? O que é que este novo programa SCRI.PT nos parece querer dizer sobre a orientação estratégica do ministério para o futuro do cinema e audiovisual nacional, num setor que tem deficiências de mercado crónicas e um problema de sustentabilidade? Qual será (ou deverá ser) o papel do governo no apoio à criação, produção, distribuição e exibição cinematográfica nacional, num país refém de uma quota de mercado extremamente baixa (quando em comparação com a média Europeia) para as produções nacionais em salas de cinema?

O SCRI.PT não parece querer responder a qualquer destas questões, como a cessante Ministra da Cultura também não pareceu querer abordar o tema no exercício das suas funções. E não será a imponente proposta numérica de 250 ME apenas um malabarismo político de comunicação em tempos de campanha eleitoral, resultando do mais recente Conselho de Ministros e de uma “inédita” cooperação entre membros do Governo responsáveis pelas áreas da comunicação social, do turismo e da cultura? Se somarmos os montantes anuais previstos pelo modelo vigente ao longo do período contemplado pelo SCRI.PT (2025-2028), 34 ME do FATC + 37 ME de Orçamento ICA x 4 anos = 280 ME, será o novo modelo um aparente investimento que se traduzirá numa redução de custos do Estado com o cinema e audiovisual português ao longo dos próximos anos? Ou tratar-se-á de um investimento complementar ao Orçamento anual previsto pelo ICA para o funcionamento da sua atividade e, assim, um efetivo reforço de verbas do Estado (parcialmente provenientes do OE) para promover a promoção de Portugal enquanto destino apetecível de produções de filmes e séries? O SCRI.PT contempla também a afetação de receitas provenientes de jogos de azar para esse investimento anual, o que não é inédito em termos internacionais (no Reino Unido a lotaria tem sido uma fonte regular de financiamento do cinema britânico), mas que levanta sérias questões éticas e de sustentabilidade para o financiamento do setor.

Saúde-se a aparente interligação de ministérios, que é muito desejável para um pensamento e visão estratégica conjunta e prioritária em termos políticos para o país, mas seria sempre preferível ver o Ministério da Cultura unir-se à Economia em vez do Turismo porque a orientação estratégica para o desenvolvimento sustentável do setor ficaria mais clara e certeira. Vivemos um período histórico de dinâmicas na atividade e volume de produção, nunca se produziram tantos filmes e séries em Portugal e nunca existiu tanto financiamento público para o setor (que ainda assim é curto, comparativamente com outros países europeus de semelhante escala ou referência), pelo que importa sobretudo não destruir as virtudes do modelo que está em curso, sabendo-se que existe muito por onde melhorar - o que não é cabalmente elucidado pelo programa em consulta pública.

E o que dizer dos 8,5 ME de fundos para guionistas Espanhóis? Primeiramente, é salutar o esforço de paridade que garantirá um mínimo de 45% dos apoios para guionistas mulheres. Depois, considerando que cada projeto selecionado beneficiará de 30.000 EUR de apoio, constatamos que o fundo destinar-se-á à criação de quase 300 novos guiões originais. Uma bela base criativa de sustento para os anos vindouros do setor cinematográfico e audiovisual de Espanha. Tendo de alguns anos a esta parte vindo a reconhecer o reforço estratégico e prioritário aplicado pelos governos espanhóis nas políticas de desenvolvimento do país enquanto HUB do audiovisual europeu (incluindo uma significativa porção do PRR), existe muito por onde olhar, estudar e eventualmente procurar replicar dessas políticas para o nosso país. Ainda assim, importa realçar que os apoios à escrita e desenvolvimento do instituto congénere espanhol ICAA não abriam desde 2011. Ou seja, há 14 anos que não fluíam apoios públicos para a escrita de novos guiões cinematográficos em Espanha, procurando compensar-se essa lacuna com o significativo investimento agora anunciado. Se compararmos o montante que anualmente o ICA tem investido para a escrita e desenvolvimento de guiões nesse mesmo período, poderemos constatar que, e contra todas as expectativas, Portugal até tem dedicado mais investimento à criação de guiões do que Espanha nos últimos anos. Mas se em Espanha os apoios agora anunciados destinam-se aos próprios guionistas individuais, em Portugal esses apoios têm sido canalizados através das empresas produtoras, ficando os mesmos invariavelmente concentrados num lote restrito de empresas no ativo. Importa monitorar os efeitos e os resultados das diferentes abordagens, mas deixaremos essa questão para futuras reflexões, até porque reconheço destacada preponderância no papel que os GUIÕES terão por cumprir no desenvolvimento do nosso setor e o termo será recorrente neste espaço.

Já sobre os scripts de vão de escada, cada vez mais temo sermos governados por políticas de habilidosas agências de comunicação ou por agentes políticos com total desnorte na visão estratégica que defendem para o setor do cinema (já para não dizer cultura) em Portugal. E honestamente não sei qual das duas opções me deixa mais inquieto.

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